Produção e armazenamento de forragem,
um projeto estratégico

A palma forrageira salvou a pecuária leiteira do Nordeste

O Semiárido tem testemunhado uma série positiva de cinco anos de chuvas, acima da média anual, na maior parte de seu território. Apesar do período auspicioso espera-se que a região não tenha que se defrontar em breve com um ciclo seco. Que esta série de anos com boas chuvas perdure por um longo período.
Recordar é necessário. Neste caso sendo, bom lembrar que a tecnologia líder que garantiu a manutenção e o crescimento da produção de leite no Nordeste desde o ano de 2012 foi o repovoamento e ampliação das áreas cultivadas com palma forrageira.
A cultivar Orelha de elefante mexicana, identificada pelo programa de pesquisa do IPA em associação com algumas instituições do Nordeste tem se constituído na mais importante opção de cultivo nas novas áreas perfazendo uma fração superior a 80% das novas áreas de plantio.

Foram várias as iniciativas estaduais em distribuir raquetes da cultivar resistente à cochonilha do carmim, que resultaram na reconstituição da área original da palma, cultivar Gigante, destacando-se os esforços dos governos estaduais de Pernambuco, Bahia, Sergipe, Paraíba e Ceará.
A importância das instituições e o comprometimento do produtor
Este é um exemplo clássico de como uma iniciativa pode ser bem-sucedida em assegurar o fortalecimento de uma atividade econômica, neste caso a pecuária bovina, caprina e ovina, que representam as cadeias produtivas mais destacadas no semiárido dependente de precipitações anuais.

Avalia-se que caso as raquetes ou cladódios que foram distribuídas houvessem sido devidamente plantadas, a área de palma forrageira no Nordeste seria atualmente em torno de um milhão de hectares, quando as estimativas apontam para uma área cultivada que varia entre 500 e 600 mil hectares.
Preze-se os esforços de instituições como as organizações estaduais de pesquisa e extensão rural, as secretarias municipais de agricultura, as associações, sindicatos e cooperativas de produtores, o suporte financeiro do governo federal em ao menos dois grandes programas, financiados via MCTI e MDA, o comprometimento de grupos de pesquisa e ensino de várias instituições de ensino superior e, mais do que tudo ressalte-se o programa de melhoramento genético de palma forrageira que vem sendo conduzido no estado de Pernambuco há mais de cinquenta anos sem o qual não se contaria com a cultivar Orelha de elefante mexicana ou os novos materiais em via de registro e liberação.

Que opções restam ao semiárido?
Falou-se dos cactos, fundamentalmente das espécies de palma forrageira, entretanto não se pode deixar de citar as demais opções com espécies gramíneas, da família Poacea, que ao longo das últimas décadas foram objeto de um extenso trabalho de pesquisa e difusão tecnológica, conforme se segue:
. Sorgos – Os sorgos forrageiros ou aqueles que visam a maior produção de biomassa, usados em especial na produção de silagem têm utilizados de modo extensivo, a exemplo das cultivares IPA 73001011, IPA SF 15 e Ponta Negra. O primeiro desenvolvido pelas equipes do IPA, o segundo pelas equipes do IPA e da Secretaria de Agricultura de Alagoas e o terceiro em um esforço conjunto dos grupos de pesquisadores da Embrapa e da Emparn, do Rio Grande do Norte.

Milhetos – As cultivares de milheto pérola, da espécie Pennisetum americanum, são praticamente oriundas de um material liberado há cinquenta anos, o IPA-Bulk1. Material amplamente adaptado aos ecossistemas do Cerrado e, desde o primeiro momento parte fundamental na adoção do sistema de plantio direto. Ainda usado de forma intensa na área central do Brasil, mas necessitando de uma retomada de difusão quanto a vantagem da cultura como produtora de feno no semiárido.
. Capim Buffel – Desde os anos sessenta do século passado dezenas de cultivares foram introduzidos de diversos países, notadamente da África e da Ásia. Continua sendo os materiais preferidos para pastejo, embora hoje o mercado possa oferecer um amplo conjunto de opções de outros gêneros. Recentemente a Embrapa estabeleceu uma iniciativa de desenvolvimento de cultivares de capins próprios para o Semiárido, incluindo o capim buffel, o que tem contribuído para o crescimento da pecuária de corte em vários ambientes da região.
Gliricídia, pornunca, leucena, feijão guandu – Trata-se de um conjunto de opções direcionadas a melhoria da qualidade da alimentação animal devido a elevados teores de proteína, que complementam o cardápio de oferta além dos cactos e das gramíneas.
Portanto não é por falta de opções que cada estado ou município deixará de instituir ou manter seus programas de extensão rural e assistência técnica visando atender o produtor do semiárido.

Um trabalho de longo prazo com as espécies nativas
Esta questão foi levantada em textos anteriores. A descontinuidade das ações de pesquisa é o principal fator limitante da baixa capacidade efetiva de identificação de espécies forrageiras nativas adaptadas ao Semiárido. Esta é uma das áreas que requererá do MCTI, das Secretarias estaduais de ciência, tecnologia e inovação e dos bancos que operam o crédito rural no Nordeste, apoiar de modo incondicional. A maior parte das cultivares forrageiras em uso na região não foram introduzidas ou desenvolvidas pelos programas de pesquisa regionais, mas que se reconheça, introduzidas e que têm contribuído com a pecuária regional.
Já no que se refere às espécies nativas, a situação é bem mais crítica. Pela importância do bioma Caatinga, a riqueza de sua biodiversidade e, atualmente, o número de grupos de pesquisa na área de forragem disponíveis nas instituições científicas regionais, o tema deverá ser tratado como estratégico e objeto de financiamento contínuo para as propostas relevantes do ponto de vista científico e de aplicabilidade demonstrada.

A seca não pode sair de nosso radar
O que se tem tentado demonstrar é que sendo a seca um fenômeno de caráter permanente, a região semiárida deve ser objeto de iniciativas científicas contínuas, enfatizando a cooperação interinstitucional e o fortalecimento da parceria com universidades e instituições de pesquisa do exterior.

Um fato positivo divulgado esta semana foi a aquisição e instalação pela Cedan, uma empresa de alimentação animal, do empresário João Daniel, localizada em Serra Talhada, de um espectroscópio NIR, do inglês ´near infrared`, um instrumento capaz de analisar centenas de amostras ao dia e medir a composição centesimal de uma extensa gama de moléculas ou compostos químicos. Além de otimizar sua política de controle de qualidade e de rastreamento da origem da matéria prima, a Cedan passa a ser uma indústria que pode compartilhar esses serviços de forma comercial com outras empresas regionais e estabelecer parcerias com vários programas e pesquisa científica da região. Parabéns, Cedan, pela iniciativa. Um passo extremamente positivo no fortalecimento no uso do conhecimento e da ciência nas atividades empresariais do semiárido brasileiro.

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Artigo – A mecanização na pequena e média propriedade | Por Geraldo Eugenio

Em qualquer que seja a região das grandes civilizações esta observação trouxe uma folga a todos e um pouco mais de tempo foi destinado à convivência com a família.

Tudo começou com o cajado

O cultivo de plantas e a domesticação dos animais foram as iniciativas que mudaram definitivamente o hábito do homem para a vida em comunidade e seu sedentarismo. Deixou de vagar e sair todos os dias à procura do que comer, aí valendo tudo, da coleta, à caça, à pesca, ao roubo. Valia tudo. Imagine-se o dia em que nosso amigo José descobriu que algumas sementes que não foram aproveitadas e que haviam sido jogadas foram começaram a germinar.

Em qualquer que seja a região das grandes civilizações esta observação trouxe uma folga a todos e um pouco mais de tempo foi destinado à convivência com a família.

Além das plantas, o gado foi domado, passou a contar mais facilmente com o leite, a carne, a pele e os ossos que serviram de faca, lança ou de matéria prima para a arte da costura e do bordado.

Naquele tempo, os riscos eram constantes e a defesa uma prática que consumia energia, trabalho e inteligência ainda mais do que hoje. E aí vem o cão de guarda a ser o vigia, o amigo e companheiro daquele mundo solitário.

O fato de se observar que a abertura das covas com um cajado permitia que se plantasse uma área razoável em muito pouco tempo. Foi um grande ganho em termos tecnológicos e aí se iniciou a mecanização das práticas agropecuárias.

Chegou-se ao arado à tração animal

Após o cajado surgiram as enxadas ou instrumentos parecidos com os atuais. Os arados, inicialmente de madeira, acionados pela força motriz do boi, búfalo ou cavalos e iniciou-se o controle da água em terras que foram protegidas e terraceadas. Estas foram grandes contribuições dos nossos irmãos indianos. Por alguns milhares de anos, o mais moderno em termos de tecnologia agrícola foram equipamentos relativamente simples, com a incorporação fenomenal do ferro como parte dos componentes mecânicos, em particular como bicos dos arados que penetravam melhor o solo e se desgastavam muito menos.

O trator substituindo a tração humana e animal  

Agora, imaginemos o grande avanço que foi o motor a vapor, que entre as incontáveis finalidades, passou a ser usado no tracionamento de máquinas e equipamentos agrícolas. Isto se deu por aproximadamente cem anos. Entre o século XIX e XX. Apenas a partir dos anos 30 do século passado os motores de ciclo Otto foram incorporados de modo definitivo à mecanização agrícola. Por sinal, algo muito recente. A evolução foi tão rápida que hoje são disponíveis no mercado centenas de marcas de tratores em todos os continentes. Em dimensões diferentes e para os mais diversos propósitos.

As pequenas máquinas e equipamentos farão a diferença

Cheguemos ao Semiárido e se parte do princípio de que apesar do tamanho aparentemente grande de alguns imóveis, a malha fundiária é formada basicamente por pequenas e médias propriedades. Uma outra constatação é a de que as áreas aproveitáveis para um cultivo comercial são uma fração do todo.

Em se investir no desenvolvimento da atividade agropecuária nas áreas consideradas melhores em cada fazenda, há de se convir que a extensão foi reduzida sensivelmente e já não se trata de plantios de centenas ou algumas dezenas de hectares, na grande maioria dos casos de áreas reduzidas que sequer chegam a um hectare.

A demanda da mecanização nesta propriedade excede a oferta de máquinas e equipamentos encontrados no mercado, demandando-se um conjunto de equipamentos de tamanho menor, de fácil manejo e manutenção, baixo custo e versatilidade que possam ser adquiridos ou locados por um pequeno ou médio produtor.

Alguns países da Ásia têm sido exemplares nesta função, a exemplo da Coréia do Sul, da China, do Japão, além da Índia. Vale a pena lembrar que em 1995, entre os atrativos da Exposição Nordestina de Criadores, em Recife, uma amostra de equipamentos e máquinas de indústrias da província chinesa de Sichuan. Ficou nisso e não se conseguiu dar o passo à frente. Quase vinte anos depois, a Embrapa e a Abimaq, que em sua ação para o Nordeste contava com a liderança do nosso amigo Alexandre Valença, então Secretário de estado no Governo de Pernambuco, formataram a Agrishow do Semiárido, exposição que tinha como uma das principais finalidades valorizar as dezenas de empresas do segmento metalmecânico da região Nordeste ligadas à agropecuária.

A Agrishow do Semiárido persiste, mas já não se houve falar tão claramente nesta sua função que é determinante à evolução do agronegócio regional.

Mesmo com o plantio direto e a integração lavoura pecuária floresta

Nesse intervalo ocorreram alguns fatos que marcaram a história recente da agricultura brasileira. A adoção do planto direto, ou na palha e da integração lavoura-pecuária-floresta, o conhecido ILPF. Avançou-se bem na região do Cerrado. Consolidou-se o plantio direto e em 15 milhões de hectares se pratica a ILPF. Essas práticas também devem ser adotadas de modo intenso no Semiárido, respeitando-se as particularidades de solo, clima e relevo. É neste sentido que há de se admitir que o uso das tecnologias disponíveis em comunicação, energia renovável, educação, comércio, que serão objeto de uso sistemático e interconexão na região Nordeste, também demandará a contribuição da indústria de máquinas e equipamentos destinado ao agronegócio local e que possa ser objeto de aquisição por um pequeno ou médio produtor.

Há alternativas ao modelo de negócio visando o suprimento de máquinas e equipamentos, uma das mais interessantes são as empresas prestadoras de serviços que crescem a cada momento, mas para os imóveis e atividades que demandem ou optem por equipamentos próprios, adicionar à agenda esta busca por opções e modelos compactos seja recomendável. A Ásia está ali e Marco Polo guiou-se através da rota da seda. Vale a pena não ser um mero observador.

Professor Titular da UFRPE-UAST

Fonte: Jornal do Sertão

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Artigo – O café da manhã sertanejo: único e exótico | Por Geraldo Eugênio

Os mercados persistem e com eles as bancas de comida

Um local sagrado no comércio local é o mercado público. Alguns mais ou menos organizados, mas uma visita obrigatória principalmente para aqueles que ultrapassaram os cinquenta.

O queijo de coalho de Bodocó é algo especial, encontrado todos os dias, mas não ficam atrás dos queijos locais, em particular um queijo de manteiga que vem da região de Batalha, aqui em Serra Talhada. Tão saboroso quanto os melhores queijos do Agreste Meridional ou do Sertão de Alagoas.

As bancas de cereais, destacando-se os vários tipos de arroz vermelho e as farinhas de mandioca, da ultrafina à granulada, da branca à amarela. Um outro item que representa a região é o feijão de corda. Vários tipos expostos nos sacos abertos à espera do freguês. As rapaduras que já não são tão puras, a grande maioria não é fabricada a partir de cana-de-açúcar e tanta coisa mais que se encontra em um mercadinho ou supermercado.

Uma seção à parte é o açougue e a peixaria. Em nenhuma região a rabada e o mocotó são tão valorizados. Os caldos dessas duas iguarias é marca registrada entre as barracas de comida, hoje denominadas praças de alimentação.

 Os principais pratos encontrados às seis da manhã

E logo cedo, o freguês se depara com as barracas abertas e suas donas e assistentes prontas para servir. O que encanta e ao mesmo tempo assusta aos visitantes é o cardápio típico na maioria das cidades do Sertão.

O café-da-manhã que se preza não pode deixar de contar com cuscuz, arroz vermelho e macaxeira. O consumo de inhame e batata-doce é bem menor do que o do Agreste, bem como o pão. Não deixa de ter, mas definitivamente não faz parte do andar de cima.

E de mistura, o que se encontra? Nada menos do que o caldo de mocotó, o guisado de boi, guisado de bode, galinha guisada e, por incrível que pareça, sarapatel.

Na feira livre, na Barraca de D. Alda, aqui em Serra, há um prato que provoca filas: o caldo de rabada, acompanhado de cuscuz.

A primeira questão que vem à cabeça do visitante é saber se a senhora do outro lado do balcão ou da mesa entendeu bem. Café-da manhã ou almoço? Foi bem entendido, sim. Isto é o que se consome nas feiras e mercados do Sertão. Pratos sempre fartos que vêm acompanhados de um café puro encorpado, mas quase sempre com mais açúcar do que deveria.

O exotismo para quem não conhece a região

A dupla pão e ovo, tão presente no café da manhã das regiões mais ao sul, não são os mais consumidos. O que é algo pouco entendido por nossos colegas. Imagine-se o fato de, ao amanhecer, já se contar com sarapatel, aí a coisa toma uma outra dimensão.

Toma tempo para quem vem ao convívio da caatinga entender, mas com pouco tempo entende muito bem o que representa ao sertanejo da roça ter que enfrentar um dia de lavoura ou pega de boi. É duro e necessita de energia extra.

Durante todo o dia, em nossas barracas, um prato de sabor único é aqui encontrado, o manguzá salgado à base de milho amarelo, feijão de corda, charque ou carne de sol e linguiça, temperado com cebola, alho, sal, pimenta do reino e cominho. Ao final adicionando-se coentro e cebolinha picados. Também pode ser preparado com carne de galinha, em especial as partes que contêm ossos, o que dá um gosto especial.

Cresci sabendo que o manguzá doce, ou o chá-de-burro, como também era conhecido, era feito com milho branco ou amarelo, leite de coco, açúcar e cravo. Também foi ensinado que se tratava de um prato de origem Africana, o que faz sentido. Esta receita sofre variações. No Sudeste e Sul é conhecida como Canjicão. Podendo a ele ser adicionado amendoim esfarelado ou coco ralado.

No caso do manguzá salgado, não há dúvida de que foi criado para atender ao homem da roça, utilizando-se do milho e do feijão e de qualquer mistura que se contasse. Prato com essas características somente nos sertões de Pernambuco, Paraíba e Ceará.

 Nutrição para todo o dia

O que se conclui a partir do que foi descrito é que após o consumo de uma dessas receitas, nem sempre em doses econômicas, o cliente está pronto para a jornada. A maioria dos frequentadores são pessoas humildes que trabalham em atividades exigentes em energia. Seus ganhos são parcos e nem sempre contam com dinheiro para as três refeições.

Aí está a lógica do cardápio. Quem não contar com um bom café dificilmente passará um dia saudável e para evitar interromper o trabalho ao longo da jornada, a melhor opção é se contar com o que existe de mais energético e proteico.

O caldo de mocotó simboliza como nenhum outro este padrão. Símbolo de nutrição rica em carboidrato, proteína, colágeno. Enquanto a proteína e o colágeno vêm da mão-de-vaca, o carboidrato é fornecido pelo cuscuz ou o arroz vermelho. 

Fica o convite. No Sertão, não deixei de ir à feira logo cedo e procurar pelas barracas de comida. Conheça este cardápio especial e único. Não se assuste. Você vai gostar, voltar e se tornar um apreciados desses sabores.

Professor Titular da UFRPE-UAST

Fonte: Jornal do Sertão

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Artigo – Para onde irão nossos jovens? | Por Geraldo Eugênio

Na última década do século XX houve uma explosão de escolas superiores privadas. Dezenas de faculdades foram instaladas em cidades do interior, abrindo uma perspectiva para que os jovens não tivessem que, obrigatoriamente se deslocarem até Recife

Tudo era dificuldade e sacrifício

Lá se vão anos e fica claro quão familiar eram os ônibus da Progresso para aqueles jovens do Sertão de Pernambuco que vinham de famílias que permitiam estudar em Recife ou nos centros maiores do país.

Algumas famílias podiam financiar um aluguel e as despesas do dia a dia, outras contavam com parentes que recebiam suas filhas e filhos e havia um terceiro grupo que se aconchegavam nas casas de estudantes da UFPE ou nas mais humildes e mais distantes acomodações da UFRPE. Importante deixar claro que este contingente representava uma pequena parte da juventude. A maioria dos amigos de escola e de farra ficaram para trás e somente seriam revistos quando dos feriados longos ou durante as férias.

Este era o padrão não apenas para nossa juventude, mas para jovens oriundos do Ceará a Sergipe que tinham em Recife a referência para uma escola de qualidade e um futuro promissor. Entre os que não conseguiram sair, mentes brilhantes pelo fato de não terem como financiar este esforço, foram enterradas nos bares e praças.

 As portas foram sendo abertas

É bom lembrar que a primeira grande ação se deu ainda em 1975 quando foi instituído o crédito educativo. Os jovens mais pobres puderam acessar a este empréstimo que representava algo como um salário-mínimo mensal, basicamente alforriando-se e podendo viver uma vida mais digna, alimentar-se, adquirir seus livros e até se divertir. Conheço um amigo que chegou a levar um fogão de Recife à sua cidade para presentear a mãe. Uma façanha inimaginável, já que sobreviver era uma arte e uma luta que nem todos enfrentavam até o fim.

Mesmo assim, havia a seleção natural aplicada, uma vez que as vagas, para a maioria das profissões, eram limitadas e  poucas as escolas de educação superior existentes no Agreste e Sertão, à exceção das briosas e exemplares Faculdades de Formação de Professores, fundadas a partir dos anos 70. Até então a maioria dos professores do ensino fundamental e básico não possuíam diplomas de nível superior e, em muitas localidades sequer haviam passado por uma Escola Normal ou equivalente.

Ocorreu uma verdadeira revolução

Na última década do século XX houve uma explosão de escolas superiores privadas. Dezenas de faculdades foram instaladas em cidades do interior, abrindo uma perspectiva para que os jovens não tivessem que, obrigatoriamente se deslocarem até Recife.

A grande mudança se deu a partir do início deste século quando o programa de expansão universitário foi posto em prática bem como o FIES. Este último, um crédito educativo que permitia o pagamento dos custos dos alunos mais carentes em escolas particulares.

Pernambuco, como todos os estados do Nordeste, soube ser beneficiária deste movimento em menos de uma década viu uma malha de campi universitários, novas universidades públicas e privadas e institutos estaduais e federais de educação serem postos a funcionar.

Em Garanhuns foi instalado o primeiro campus universitário em todo Brasil, pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, deste povoamento cidades interioranas com escolas superiores.

A partir do final da primeira década centenas de jovens engenheiros, médicos, nutricionistas, agrônomos, veterinários, economistas, professores passaram a sair das escolas aqui instaladas todos os anos. Não são poucos que representam o marco inicial do ensino universitário para inúmeras famílias do interior. Foi uma grande vitória, se reconheça.

 Não pare. Ainda há questões a serem resolvida

Neste momento, em Pernambuco, o grande desafio é o emprego e a renda. A pandemia ceifou milhares de postos de serviço e o número de pessoas desempregadas ou sem renda é um dos maiores do país.

Mesmo com governos apresentando superávits e dinheiro em caixa, o fantasma do desemprego incomoda e perturba a todos a qualquer momento. Como não poderia deixar de ser fica claro que não haverá a mínima chance de o serviço público absorver a mão de obra qualificada que sai das escolas e universidades, nem os segmentos comércio, indústria, agricultura e serviços é capaz de aproveitar este contingente.

Por outro lado, é importante frisar que se não há como aproveitar este capital humano qualificado algo está errado entre nós. Não é fácil voltar a casa dos pais após anos a fio na universidade passando a imagem e percepção de que aquela ou aquele jovem seria o caso de sucesso da família.

A região conta com o seu desenvolvimento com o mais importante capital posto a sua disposição, a formação superior. As empresas, sem exceção, reconhecem a qualificação do corpo funcional e do melhor preparo de sua mão de obra, ótimo. Mesmo assim ainda são milhares de jovens do interior em busca de uma oportunidade. A primeira chance.

Resta aí o desafio de se estabelecer bases para a retomada do crescimento econômico beneficiando as empresas e empreendedores que se encontram no mercado, mas, ainda mais importante, conseguir avançar com a formação de novas empresas e a interiorização do desenvolvimento tecnológico.

A juventude do interior deverá ter a mesma chance de sucesso quanto aquela que está em Recife, em Caruaru ou Petrolina. As escolas de ensino superior devem ser avaliadas pelo sucesso de seus egressos. O que estão fazendo e quanto estão auferindo dois anos após a formatura? Essas instituições têm que vestir o fardão do desenvolvimento social, humano e econômico das regiões e ser objeto de mudanças radicais nos ambientes em que foram instaladas.

As centenas de empresas que surgirão desse movimento serão as futuras fontes de emprego. Afinal seus sócios sabem do que estão falando. A associação entre riquezas naturais, fortalecimento institucional e o conhecimento serão imprescindíveis ao desenvolvimento de qualquer região ou país, sem exceção.

Professor Titular da UFRPE-UAST

Recife, 27 julho de 2022

Fonte: Jornal do Sertão

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Artigo – Mendel e sua influência, até no Sertão | Por Geraldo Eugênio

Um abade, uma ervilha, a genética

O número lançado esta semana da revista Plant Cell traz uma homenagem especial aos duzentos anos do nascimento de um dos mais importantes cientistas de todos os tempos, o abade Gregor Mendel.

Nascido em uma época em que a educação não era disponível a muitos e para se chegar a ela haviam dois caminhos: ser rico ou a igreja. Não sendo um jovem de uma família abastada o que lhe restou foi seguir o convento e lá dispor de um mínimo de paz para fazer o que gostava: estudar e admirar a natureza.

Depois de algumas decepções e não ter sido o escolhido em alguns exames, no convento de Brun, na atual República Tcheca, se dedicou a cultivar e procurar entender como se dava a reprodução de uma planta extremamente comum e sem o ´charme` de tantas outras cultivadas nos jardins de palácios, praças e parques, a ervilha. Aquele grão que entre nós se associa à latinha de 200 g, uma vez que quase não se vêm ervilha fresca em nossas feiras ou mercados.

 Criterioso e disciplinado

Hoje há uma fração da humanidade que iria considerá-lo um devasso por estar tentando entender como se dava a reprodução daquela espécie. Talvez sequer o tivessem deixado, nas horas livres dos afazeres do monastério, andar cruzando plantas de flores branca com flores rosas ou grãos lisos com outras com grãos enrugados. Além de proceder com seus cruzamentos sistematicamente, nosso abade colheu as vagens resultantes, plantou as sementes, que no jargão genético se conhece como F1, plantou essas sementes e viu que as plantas eram uniformes. Se fosse outra pararia por aí.

O nosso Mendel não era qualquer um, voltou a plantar as sementes da F1 e colheu aquilo que se conhece como F2 e ao plantar notou que haviam tipos distintos: flores brancas e flores rosas ou sementes lisas e sementes enrugadas em uma proporção definida demonstrando que ´os fatores`, depois batizados de genes eram de fato que determinava a herança entre os seres vivos.

Nem sempre a vida é como se espera

Documentou os resultados, calculou as proporções e a probabilidade que ocorria os tipos distintos e publicou em 1865 uma monografia informando sobre algo que basicamente não havia sido pensado antes. Mendel contou com a sorte e o azar de viver na mesma época que outros monstros sagrados da biologia a exemplo de Charles Darwin, aquele fez balançar a cerejeira e veio com o absurdo de dizer que todos os seres vivos evoluíram de uma única base biológica e que o homem poderia ser considerado como um parente do macaco.

Ainda hoje há quem duvide embora as evidências comportamentais do ser humano, Homo sapiens, a cada dia não deixe dúvida sobre isto. Inclusive mostrando que há macacos mais humanos de que seus parentes mais evoluídos.

O fato é que, havendo recebido o trabalho de Mendel, Charles Darwin não se deu ao trabalho de ler e, consequentemente não iria saber que naquele modesto registro havia algo que impactaria a humanidade tanto quanto seu livro Origem das Espécies. Após a morte de Darwin, os curadores de sua biblioteca encontraram um exemplar do magnifico trabalho científico do abade, sobre as ervilhas, intacto. Nunca fora aberto.

A redescoberta de suas leis

Passaram-se 35 anos até que três estudiosos em países diferentes e sem conexão alguma um com o outro, em 1900, revisando o que havia sido publicado, conseguiram entender aquilo que havia sido registrado e assim se deu o que se conhece como a ´redescoberta’ das leis de Mendel.

A partir daí a genética foi de tal ordem entendida e usada que já na segunda década do século XX, híbridos de milho estariam sendo comercializados nos Estados Unidos. Demorou-se compreender, mas ao ser feito, sua utilidade foi posta em prática imediatamente.

Hoje nos deparamos com a biologia molecular, a genômica, a correção gênica, também denominada pelo amigo Carlos Bloch como intragenia. Vivemos o Admirável Mundo Novo e a cada dia a realidade se confunde com a ficção. Não é à toa que em menos de um ano, várias empresas e instituições mundiais conseguiram desenvolver, em alguns casos utilizando-se de informações genéticas, uma vacina contra a Covid 19, algo inimaginável há poucos anos atrás.

Sua influência foi longe, Sr. Mendel

E daí, o que tem a ver Mendel com o agronegócio do Semiárido? Tem muito. Provavelmente alguém entre nós já provou uma uva desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho, denominada Vitória. Nunca se viu nada igual e ali se expressa sem dúvida a existência de Deus e sua perfeição. Alguém também que conheça o feijão macassar ou feijão de corda, deve em algum momento, haver cultivado a variedade IPA 206, desenvolvida pelas mãos do pesquisador Paulo Miranda, mas não há também como não se notar a persistência de matérias como as cebolas IPA 10 e IPA 11 permanecerem sendo cultivadas. Que o diga os agricultores de Irecê e arredores que viram materiais bem mais caros serem literalmente descontruídos pelas bactérias e fungos em períodos de chuvas fortes.

E no caso dos animais. É importante se conhecer o que é uma granja de produção de ovos ou frangos e da mudança genética que ocorreu nos plantéis dessas aves, quer de corte ou de postura. Vale também testemunhar a revolução que continua sendo vista com a pecuária, uma vez que o gado Nelore e suas seleções dominam a produção de carne no Brasil, fazendo com que mais de 90% da carne que o brasileiro consome seja dessa raça ou de cruzamentos dela provenientes. Que o diga o gado Girolando ou as diversas raças de caprinos e ovinos.

Obrigado meu caríssimo abade Mendel. Você é um dos benfeitores da humanidade e, onde quer que esteja, anote aí no seu caderno de anotações que o Semiárido do Brasil também agradece ao seu feito. Parabéns e Feliz Aniversário.

Fonte: Jornal do Sertão

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Artigo – O aproveitamento de aquíferos: o caso Mirandiba | Por Geraldo Eugênio

Pernambuco conta com outros aquíferos que podem ser explorados nos próximos anos, inclusive este em referência se estende desde São José do Belmonte, passando pelos municípios de Mirandiba, Carnaubeira da Penha, Serra Talhada, alcançando Betânia.

Onde fica Mirandiba?

Um dos vinte municípios que integram a região do Sertão do Pajeú que dista 470 quilômetros de Recife e ao redor de 60 de Serra Talhada. Até não muito tempo atrás era caraterizado como uma comunidade dedicada à agricultura de cultivos de milho, feijão, mandioca e à pecuária bovina e caprina.

Deslocada ao redor de dez quilômetros da rodovia BR 232, só ia a Mirandiba quem tinha negócio, como se fala aqui no Sertão. Um lugar isolado e muito pouco conhecido. Tudo mudou quando há cerca de vinte anos alguns agricultores locais acostumados a plantar cebola e tomate atentaram para a fruticultura.

Sorte de uns, azar de outros, ou vice-versa

A roda da fortuna começou a se mover quando um grupo de pequenos vermes que habitam o solo, os nematoides, foram introduzidos através de mudas infectadas nos plantios de goiabeira da região do São Francisco e tornou o cultivo da goiabeira economicamente indefensável. O dano causado aos pomares era de tal ordem que não compensava insistir na manutenção dos campos que iam sendo abandonados em grande número.

As tecnologias disponíveis não eram exequíveis. Aplicação de determinados nematicidas no solo com alta capacidade de toxicidade, contaminava os trabalhadores, o solo e as águas subterrâneas e superficiais. Materiais resistentes não existiam, nem mudas com porta enxertos capazes de bloquear a entrada dos minúsculos animais nas raízes. Ainda hoje a dificuldade é grande mesmo havendo sido identificado genótipos de araçá, uma prima da goiabeira, que poderia fornecer mudas resistentes.

Mudas de goiaba-araçá já estão disponíveis, mas a um custo de quatro a cinco vezes superiores as mudas de goiabeira não sendo acessíveis a todos.

Começou a mudança

Vendo oportunidade bater à porta, os empreendedores de Mirandiba resolveram apostar no cultivo da goiabeira mesmo sabendo que poderia ocorrer na região o que estava ocorrendo no Vale do São Francisco. A verdade é que a água disponível no aquífero deixou de ser usada na cebola, no tomate, no coqueiro para ser predominantemente aplicada nesta nova opção.

Já se vão de sucesso, expansão do cultivo e conquista de novos mercados. As indústrias processadoras de doce ficaram aliviadas uma vez que surgiu uma região produtora de matéria prima no centro do Sertão, facilitando a logística. O melhor, contudo, foi a prioridade do cultivo para frutos de mesa. O que implica em melhor remuneração, mais tecnologia, domínio do pós-colheita e uma boa organização de comércio e transporte.

 A goiaba de Mirandiba está nas gôndolas dos supermercados

Aos poucos a produção excedia ao consumo das cidades de Serra Talhada e Salgueiro, as maiores cidades à leste e oeste de Mirandiba o que forçou aos que fazem o comércio de frutas frescas buscarem mercados de Caruaru e Recife. O fizeram com sucesso. Em seguida outras capitais do Nordeste passaram a ser abordadas e atualmente são dezenas de caminhões de frutas para mesa que abastecem os mercados de Pernambuco, além de capitais como João Pessoa, Natal e Fortaleza.

Lição da história: os médios e pequenos perímetros irrigados serão a aposta do futuro

A oferta de áreas adjacentes a grandes cursos de água se torna escassa e já não há como se promover com recursos públicos a instalação de perímetros irrigados como os modelos encontramos no submédio e baixo São Francisco. Uma região, em particular soube bem aproveitar os investimentos, é o caso de Petrolina-Juazeiro, outras não tiveram o mesmo nível de organização ou optaram por opções de cultivo e organização empresariam que não tão dinâmicas. Em outra situação como é o caso do Oeste da Bahia, apesar da insistência de muitos por lá de que contariam com disponibilidade de água para uma área irrigada adicional de 150.000 hectares é sabido que tal uso comprometeria fortemente a recarga da bacia do São Francisco. Resta saber como se poderá aumentar a área irrigada brasileira em curto prazo.

O relato sobre o que ocorreu em Mirandiba é para ser estudado com um pouco mais de rigor. Quase sem contar com investimentos públicos, uma vez que toda infraestrutura de perfuração de poços e uso das terras é de caráter privado,  havendo, por outro lado, uma reclamação geral pela forma como os empreendedores regionais têm que dialogar com os órgãos de controle e gestão de água, cada um a seu modo, com recursos próprios ou contando com  empréstimos em bancos oficiais ou privados estabeleceu sua empresa e está malha de pequenas e médias propriedades que têm como base uma agricultura competitiva e moderna.

Pernambuco conta com outros aquíferos que podem ser explorados nos próximos anos, inclusive este em referência se estende desde São José do Belmonte, passando pelos municípios de Mirandiba, Carnaubeira da Penha, Serra Talhada, alcançando Betânia.

Certamente não se trata de um volume de água a se considerar infinito, entretanto em quantidade suficiente para que, sem sendo usada com critério dará para gerar milhares de empregos e dinamizar ainda mais a economia de cidades que por si só já evoluíram para um processo de crescimento rápido a exemplo de Mirandiba e Serra Talhada.

Fonte: Jornal do Sertão

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